terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A Baronesa que amava o Jazz

Pelo grande pianista (Thelonious Monk) – e por amor ao jazz – a herdeira de uma nobre família britânica largou tudo. A história de Kathleen Annie Pannonica Rotschild, ou simplesmente Nica, está contada em um novo documentário dirigido por sua sobrinha-neta. (Na foto ao lado Monk e Nica)

Ao descobrir que amava os músicos de jazz, Kathleen Annie Pannonica Rothschild, esposa do barão Jules de Koenigswarter, mudou sua vida – a sua e a deles também. A baro­nesa pagou seus aluguéis, resgatou seus instrumentos hipotecados em lojas, levou-os a shows em seu Bentley prata e convidou-os a morar em sua própria casa nos tempos mais difíceis.

Diante da desaprovação da sua família, ela apoiou de músicos proeminentes, como Sonny Rollins, Charles Mingus e Art Blakey, aos obscuros. Um deles, do qual ficou indissocia­vel­mente ligada, foi Thelonious Monk. Pannonica, ou Nica, se apaixonou pela música do sumo sacerdote do bebop em 1952, ao ouvir Round Midnight. Em 1954, quando ele tinha 34 anos, e ela, 40, iniciaram uma relação cuja essência desafia analistas – e que só terminou com a morte dele.

Pannonica, assim chamada em homenagem a uma borboleta rara, era a caçula do banquei­ro e entomologista Charles Roths­child. O homem, que sofria de depres­são, cometeu suicídio quando ela tinha 12 anos e estava prestes a embarcar numa adolescência que para uma Rothschild só poderia representar, como ela diz em The Jazz Baroness, documentário recém-lançado por sua sobrinha-neta, Hannah, “uma sala de espera para o casamento e a maternidade”.

Tudo, então, mudou: artista talentosa, aos 18 anos ela estudava arte em Munique. Aprendeu a voar e, aos 22, casou-se com Jules, um colega aviador. Eles moraram em um castelo no noroeste da França, onde tiveram os filhos Patrick e Janka. A II Guerra levou o barão para a África, depois de ele aderir ao exército de De Gaulle.

Nica foi com o marido. Depois da guerra, o barão virou diplomata, primeiro na Noruega, a seguir no México. Eles tiveram outros três filhos – Berit, Shaun e Kari – mas, relata Hannah Rothschild, “Nica não se adaptou à vida de mulher de embaixador”. Em 1952, o casal se separou. E a baronesa foi para Nova York.

Três anos mais tarde, o divórcio foi incitado depois que Charlie Par­ker morreu no seu apartamento, no Hotel Stanhope, na 5th Avenue. O grande saxophonista estava em turnê quando começou a tossir sangue. Um médico sugeriu repouso – é quando a casa de Nica entra na história. Três dias depois, enquanto viam TV, Parker caiu de súbito e morreu. Os Rothschild não gostaram da repercussão do caso.

Jules ganhou a guarda dos três filhos mais novos. Nica não foi uma mãe negligente, mas suas prioridades estavam noutro lugar, geralmente com Monk. O genial compositor e pianista tinha uma esposa, a quem dedicou Crepuscule with Nellie. Com a baronesa, o casal formou uma espécie de ménage – cujo principal objetivo era o de sustentá-lo e transpor o que provavelmente hoje seria diagnosticado como transtorno bipolar. “Nellie precisava de Nica para ajudá-la a lidar com a instabilidade de Monk”, diz um entrevistado do filme.

O par se tornou conhecido em clubes de Nova York, mas o espetáculo de uma mulher branca com um homem negro na década de 1950 acabou por provocar incidentes. Um deles: Nica levava Monk e seu saxofonista, Charlie Rouse, a um show em Wilmington, Delaware, quando, durante uma breve parada, um policial vasculhou o carro e encontrou uma pequena quantidade de maconha. Sabendo que uma condenação para os músicos significaria a proibição de se apresentar em casas noturnas, Nica assumiu a culpa, passou a noite na cela e foi condenada a três anos de prisão – o que seria anulado posteriormente.

Cansada de ser convidada a se reti­rar de hotéis por gerentes que não gostavam do entra-e-sai de músicos, a baronesa comprou uma mansão em New Jersey. Lá, instalou o piano Steinway que comprara para Monk, junto com seus – mais de 300 – gatos. Ele e Nellie se mudaram para lá.

De saúde instável, o jazzista morreu em 1982, aos 64 anos. Seis anos mais tarde, Nica, então com 75, não sobreviveu a uma cirurgia. Sua generosidade, contudo, não morreu com ela. A casa, pertencente a seus herdeiros, tem sido ocupada por Barry Harris, outro pianista. Tempos depois, as cartas de Nica foram descobertas entre os papéis da pianista Mary Lou William, outra amiga próxima, junto com várias de suas requintadas pinturas abstratas. Fragmentos das cartas, lidos pela atriz Helen Mirren, são ouvidos no filme, incluindo o veredito sobre seu casamento: “Jules odiava jazz. Ele se acostumou a quebrar meus discos quando eu me atrasava para jantar. Eu geralmente estava atrasada para jantar.”

Quanto aos seus amigos músicos, Hannah os descreveu, no lançamento do longa, como “as mais dignas, humanas e articuladas pessoas que conheci em 20 anos fazendo documentários.” Não deixa de ser uma resposta para quem se pergunta por que razão a discografia do jazz pós-guerra é estudada com um nome exótico, em um catálogo de composições que inclui não apenas a Pannonica de Monk, mas Nica’s Dream, Nica Steps Out, Blues for Nica e uma dúzia de outras.


The Guardian - Publicado em Zero Hora

Village Vanguard



Uma das mais famosas casas noturnas do mundo, com mais de uma centena de discos gravados em suas dependências. Situado em Manhattan, em Nova Iorque, foi fundado em 1935 por Max Gordon (que faleceu em 1989). Atualmente é conduzido por sua mulher. Pelo palco do Village passaram os mais talentosos músicos do Jazz, incorporando diversos estilos desde o swing, o bebop, passando pelo free e o fusion, até chegar em nossos dias, com os mais promissores nomes da atualidade.

Os discos com "Live at Village", no título passaram de cem, e desde Sonny Rollins - o primeiro a gravar no Village -, nomes como Miles Davis, John Coltrane, Keith Jarret e diversos outros já gravaram ali. É o club de Jazz mais antigo ainda em atividade.

O toldo vermelho na entrada do Club logo dá lugar à quinze degraus de escada, para então surgir 123 lugares, todos voltados para o palco, um modesto palco. Nesse ambiente, que exala Jazz, muitos músicos viveram momentos de glória, muitas revoluções musicais foram apresentadas ao púlico.



Entre histórias mais interesantes que ocorreram no Village, estão as que envolvem o ego e as "manias" de alguns artistas que por lá passaram, como por exemplo Miles Davis, conta-se que uma vez o músico deixou o palco na metade do concerto, com o club lotado, para buscar sua namorada que estava embriagada do outro lado da cidade. Charles Mingus, certa feita, derrubou a porta do Club porque seu nome, no cartaz, constava como Charlie e não como Charles.

Um livro escrito por seu fundador, Max Gordon, conta todas essas histórias e muitas outras. Chamado "Ao vivo no Village Vanguard" o livro recupera momentos históricos e memoráveis, não somente do Club mas como da história do próprio Jazz.

O Village Vanguard esta situado na 178-7th Avenue South NYC com concertos às 21h00 e 23h00 com entrada em média: 30 Dolares.
Site: http://www.villagevanguard.com/

Vídeo de Billl Evans ao vivo no Village:




Deixo ainda, uma gravação antológica do Saxtenorista Sonny Rollins. Este é o primeiro disco gravado no Village, em 3 de novembro de 1957. Vale lembrar que Sonny é uma das poucas figuras vivas e ativas daqueles tempos.














Sonny Rollins - A Night at the Village Vanguard


Sonny Rollins: tenor saxophone
Donald Bailey: double bass [afternoon]
Pete LaRoca: drums [afternoon]
Wilbur Ware: double bass [evening]
Elvin Jones: drums [evening]

01 A Night In Tunisia [afternoon] - 8′16
02 I’ve Got You Under My Skin [afternoon] - 10′03
03 A Night in Tunisia [evening] - 9′03
04 Softly As In A Morning Sunrise [evening] - 6′43
05 Four [evening]- 8′26
06 Introduction [evening] - 0′20
07 Woody ‘n’ You [evening] - 8′29
08 Introduction #2 [evening] - 0′29
09 Old Devil Moon [evening] - 8′21
10 What Is This Thing Called Love? [evening]- 14′03
11 Softly As In A Morning Sunrise - 8′03
12 Sonnymoon for Two [evening] (Rollins) - 8′46
13 I Can’t Get Started - 4′54
14 I’ll Remember April [evening] - 9′20
15 Get Happy [evening] - 9′08
16 Striver’s Row (Rollins) [evening] - 5′59
17 All The Things You Are [evening] - 6′46
18 Get Happy - 4′40

Download part I
Download part II

Chet Baker - Noites e mitos


Cerimônias fúnebres á beira da sepultura pontilhavam as colinas ondulantes do cemitério Inglewood Park em um bairro residencial negro nos arredores de Los Angeles. Toldos brancos protegiam as pessoas do sol mas não podiam bloquear o ronco dos aviões que subiam e desciam no Aeroporto Internacional de Los Angeles ali perto. Por todo o cemitério o cheiro fético dos vapores dos jatos sufocava o odore fresco de grama cortada. Dois dias antes um vôo de passageiros da Holanda trouxera o corpo de um trompetista lembrado como um dos homens mais bonitos dos anos 50. Chet Baker morrera em Amsterdam, na sexta feira dia 13 e sabia-se que sua morte misteriosa estava ligada a drogas. Agora depois de anos na Europa estava de volta ao sul da Califórnia onde conhecera a glória pela primeira vez para galgar o repouso final ao lado do pai. Garoto da zona rural de Oklahoma, Baker povoara de fantasias a cabeça das pessoas desde o momento em que nasceu. Tudo em relação a ele estava aberto à especulação: Seu estilo cool de tocar trompete tão vulnerável e no estando tão desligado; seu meio sorriso enigmático; a androginia de seu canto doce; um rosto igualmente infantil e sinistro. O som que tirava do seu instrumento levou os fás italianos de Chet a apelidarem de L´angeloTromba d´oro (o anjo) e (trompete de ouro). Marc Danval, um escritor da Bélgica, chamava sua música de "(um dos lamentos mais bonitos do século XX) e o comparava a Baudelaire, Rilke e Edgar Allam Poe. Na Europa, até mesmo a prolongada dependência de heroína trabalhava a seu favor, fazendo com que parecesse ainda mais frágil e precioso. Mas nos Estados Unidos sua morte não sensibilizou muita gente. O necrológico de Baker no New York Time que dava a idade errada (59, em vez de 58), o retratava como um ídolo decadente cuja “sorte fenomenal” se “tornara amargo” devido às drogas. "Alguns críticos disseram que Baker talvez tenha sido superestimando no início", comentava o jornal sobre um músico que certa vez fora proclamado como a Grande Esperança Branca entre os trompetistas de jazz. Apesar de anúncios fúnebres no Los Angeles Time e no Hollywood Report, somente cerca de 35 pessoas compareceram ao enterro. "Foi triste, não foi uma celebração", disse o clarinetista e amigo Bernie Fleischer, colega de longas datas na banda do colégio. "Mas, de qualquer modo, ninguém esperava que ele durasse tanto". Poucos dos que estavam reunidos ali sabiam muita coisa de sua vida no estrangeiro e agora ao olharem para o caixão fechado, ficavam ainda mais intigados com sua morte. Por volta das 03h10 da madrugada a polícia holandesa removera o corpoda clçada, logo abaixo da janela do seu quarto no terceiro andar de um hotel da Estação Ferrovíaria Central de Amsterdam. A poucos passos ficava a Zeedijk, uma ruela sinuosa, notória como o ponto de venda de drogas mais descarado da Europa. Os policiais despejaram o cadáver anônimo no necrotério, supondo tratar-se de mais um infeliz viciado. No dia seguinte, Peter Huijts, empresário de turnê holandês de Baker, identificou o corpo. A morte foi dada como suicídio ou acidente introduzido por drogas. Mas havia uma abundância de provas contraditórias. A janela do seu quarto de hotel só abria até trinta centímetro, tornando impossível que ele tivesse caído involuntariamente. Objetos para uso de drogas foram encontrados por todo o quarto, mas um porta-voz da polícia anunciou que sangue de Chet não acusava nenhum indício de heroína, Meses antes de sua morte. Baker dissera a várias pessoas que alguém andava atrás dele. Sua viúva inglesa, Carol Baker que morava em Oklahoma com seus três filhos, compartilhava da mesma idéia. "Não foi suicídio, foi crime", insistia. O pianista Frank Strazzeri, que tocara com Baker pouco tempo antes levou a suspeita ainda mais adiante: "Eu olho pro caixão e digo:'Que merda, cara, o que aconteceu? O que você fez? Seu idiota, torrou a grana de outro cara. Acabaram matando você". Era típico de Baker deixar todo mundo na dúvida até mesmo na morte. Era um homem de tão poucas palavras e notas que cada uma delas parecia misteriosa e profunda. O escritor inglês Colin Buter havia notado uma qualidade semelhante em Jeri Southern, uma cantora e pianista dos anos 50 cujas neuroses lhe valeram um colapso nervoso e a recusa em voltar a cantar. "Era como se ela tivesse olhando no coração de um sonho americano e enxergado os contornos de um pesadelo sobre o qual não se deveria nem falar a respeito", escreveu Butler. Baker vivera dentro de alguma tormenta sem nome, só sua e extraíra dela uma música de tristeza e de um lirismo tão tocantes que as pessoas se agarraram a ele durante anos, decididas a decifrar o seu segredo. Para Hiro Kawashima jovem trompetista japonês, Baker era como Buda: "Ele me ensinou sobre a própria vida e eu o considero o 'mestre da vida', por assim dizer". A cantora Ruth Young, namorada de Baker durante dez anos era tão fascinada por "Picasso" como o chamava, que contrabandeava droga através das fronteiras para ele e uma vez até o ajudou a arrastar um cadáver de dentro de um apartamento europeu e a se desfazer dele. Baker despertou uma obsessão semelhante no fotógrafo Bruce Weber que pagou pelo eu enterro. De 1986 a 1989m Weber teria gasto 1 milhão de dólares do deu próprio boldo para fazer o documentário Let´s Get Lost, uma fantasia orgástica sobre um homem cuja aparência nos anos 50 ajudara a inspirar os anúncios homoeróticos deWeber para as roupas íntimas de Clavin Klen. Sua câmera passeou extasiada pelo Baker do final dos anos 80, uma figura que os críticos de cinema chamaram de um a "cadáver cantante" (J. Hoberman, no Village Voice), um "bode decadente" (Julie Salamon, no Wall Street Journal), "uma relíquia de bochechas cavadas, desdentada, sussurrante à beira da morte cerebral" (Charles Champlin, no Los Angeles Times), um "viciado em heroína pouco confiável e conivente" (Lee Jeske, no New Yorl Post), um "sanguessuga" e "fantasma devastado pela droga" (Chip Stern, Rolling Stones). Tudo isso sobre um homem cujos solos eram considerados modelos de expressão sincera, graciosos como poemas. (Chet Baker - A Longa Noite de um Mito - James Gavin "Ed. Companhia das Letras - 2003".pags. 11 à 13).